quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Numero 300













Chegamos, então, finalmente, ao número 300 deste Boletim. Muitas vezes aos trancos e barrancos, deixou de sair em algumas semanas por conta de problemas pessoais ou de viagens, mas está aí, firme e forte!


A se crer nos números do Blogger, que nos hospeda, temos 44 seguidores, leitores no Brasil (a maioria, claro) e em Portugal, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Inglaterra, Escócia, Rússia, Polônia, Itália, Japão, Canadá e Estados Unidos. Ao todo 39.598 acessos! Creio que é um bom resultado, para um boletim que surgiu de forma tão modesta.

Como falei no número passado, temos reunidos aqui hoje grandes artigos, alguns escritos especialmente para este número.


Vamos lá?



Jaime Pinsky dispensa apresentações. Historiador renomado, autor de dezenas de livros e diretor da Editora Contexto, nos enviou este artigo que podemos considerar de rara lucidez, particularmente no momento em que o Oriente Médio volta a ser alvo da preocupação do mundo todo.

Pela paz no Oriente Médio

JAIME PINSKY
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Direitos históricos não devem ser alegados: não há

consenso sobre quanto tempo a terra precisa ser

habitada para que passe a pertencer a um povo
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Continuar acreditando em uma paz estável e duradoura no Oriente Médio pode parecer ainda mais ingênuo que acreditar em Papai Noel. Pode, mas não é: o passar dos anos só reforça a convicção de que a paz entre israelenses e palestinos é não apenas viável, mas inevitável.
Não há outra solução para o conflito: a vitória de qualquer dos lados envolvidos não é possível, a não ser que ocorra um inconcebível massacre de proporções diluvianas.
Assim, a única solução será um acordo de paz entre as partes, mediado pela ONU, pelos EUA, pela União Europeia ou até pelo Brasil.
Já que pode nos caber papel relevante nesse palco, convém pensar em uma atuação eficiente, decisiva, não voltada para o aplauso fácil da plateia. É o caso, pois, de tentar listar os pontos sobre os quais um acordo de paz poderia ser fechado:
1 - Nenhuma das duas nações deve reivindicar seu direito a territórios com base no direito divino.
Até prova em contrário, divindades manifestam-se de modo diferente para diferentes seguidores, mesmo quando as partes cultuam o mesmo Deus. De resto, verdades divinas são, por definição, inquestionáveis (deuses costumam ficar irascíveis quando contrariados) e se manifestam como dogmas de fé, não como pontos para um debate.
2 - Nenhuma das duas nações deve alegar direitos históricos sobre territórios. Não há consenso sobre quanto tempo uma terra precisa ser habitada para passar a pertencer, em definitivo, a um povo. Fica difícil também estabelecer o período que um povo pode ficar sem aparecer em um território e continuar tendo a propriedade moral e material sobre ele.
Por outro lado, também é complicado determinar se uma nação tem direito a um território não reivindicado durante séculos.
O melhor, portanto, é dar como certo que palestinos e israelenses possuem, ambos, direitos sobre um pedaço daquela nesga de terra. E que eles devem entrar em acordo sobre como dividi-la melhor.
3 - Chega de hipocrisia: israelenses (inclusive os de direita) devem reconhecer a existência de um Estado palestino e estes (inclusive o Hamas) devem aceitar o fato de o Estado de Israel existir.
4 - Os líderes devem parar de envenenar os povos um contra o outro. Que tiranos da região finjam ter pena dos palestinos e demonizem os israelenses para unir seus povos contra um suposto inimigo externo (Israel) entende-se perfeitamente, embora se lastime.
Mas que líderes de povos vizinhos (israelenses e palestinos), com muito em comum, incitem os jovens de seus povos contra o "demônio" sionista ou os "terroristas" palestinos é difícil de aceitar.
Assim, preliminarmente, israelenses e palestinos devem assinar um compromisso de começar a tratar "o outro" com respeito e com dignidade.
5 - Israel deve cessar, imediatamente, de construir na Cisjordânia. Quando houver um acordo de paz, pode ser que parte do território israelense seja cedida aos palestinos em troca de terras ocupadas e colonizadas. Essa virtualidade não pode ser entendida, contudo, como uma licença para construir no terreno do vizinho.
Depois, é resolver o resto. Ah, e a questão de Jerusalém? Sem mísseis disparados sobre os israelenses, sem revistas humilhantes para os palestinos, haverá atmosfera para acertar todo o resto, como dividir ou não Jerusalém.
É uma falácia a ideia de que a coexistência em uma cidade dividida é impraticável: é muito mais fácil dividir a capital entre amigos do que um vasto território entre inimigos. Jerusalém não perderia seu encanto e potencializaria sua capacidade de atrair peregrinos e outros turistas se sediasse os dois governos.
Muitos já ganharam o Nobel pelos esforços feitos pela paz no Oriente Médio. É chegada a hora de os povos ganharem a paz.


JAIME PINSKY, historiador, é professor titular da Unicamp e diretor da Editora Contexto.






Apesar das lúcidas palavras acima, devemos continuar atentos, conforme nos mostra este vídeo, colaboração de Guilherme Souto:

Democracy Now é um programa diário de notícias de TV / Rádio, apresentado por Amy Goodman e Juan Gonzalez, distribuido em mais de 900 estações, sendo pioneiro na maior comunidade de colaboração de mídia nos Estados Unidos.


Nessa entrevista de 02 de Março de 2007, o General Wesley Clark, aposentado de 4 estrelas do Exército dos EUA e Comandante Supremo Aliado da OTAN durante a Guerra do Kosovo, relata um encontro com militares do Pentágono e a conversa que se estabeleceu a respeito da guerra no Oriente Médio.

Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=sCDRWEpz5d8&feature=player_embedded




Os jornalistas José de Castro e Cristina Moreno, pai e filha, produziram um texto a quatro mãos para o Boletim, sobre a “maldição do petróleo”. É um alerta para nós, brasileiros.

A maldição do petróleo
José de Souza Castro e Cristina Moreno de Castro

Dois anos depois que este Boletim Mineiro de História foi lançado em sua nova fase pelo professor Ricardo Faria, a Petrobrás extraiu pela primeira vez, em setembro de 2008, petróleo do pré-sal. Passada a euforia, veio a preocupação com a chamada “maldição do petróleo”, que empobrece povos de países do Oriente Médio, entre outros, enquanto sua classe dirigente enriquece e vive nababescamente.
Em novembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garantiu em Londres, ao receber o prêmio Chatham House, como a figura política mais destacada na promoção das relações internacionais, que o Brasil não sucumbiria à “maldição do petróleo” e que continuaria promovendo as energias limpas e renováveis que respondem por metade da matriz energética do país. Seis meses antes, começara no campo de Tupi a fase de extração petrolífera chamada de “teste de longa duração”.
A “maldição do petróleo” responde também pelo apelido de “mal holandês”. Ocorre quando o país se torna um grande exportador de petróleo bruto e, por conseguinte, o câmbio se sobrevaloriza, dificultando as exportações de outros produtos, facilitando as importações e enfraquecendo outros setores produtivos, entre eles, indústria e agricultura.
Em dezembro de 1996, num artigo intitulado “A maldição das riquezas”, Rubens Ricupero, que havia sido ministro da Fazenda por 159 dias durante o período de implantação do Plano Real, até ser derrubado por um microfone aberto da TV Globo – esse episódio foi chamado de Escândalo da Parabólica – observou que países ricos em recursos naturais, como o petróleo, acabam tendo desempenho econômico muito inferior ao de países pobres em tudo, exceto gente. “No passado como no presente, são impressionantes os exemplos de recursos naturais que geraram decadência precoce e não crescimento sustentado”, afirmou Ricupero. Na época, os casos mais evidentes eram Venezuela, Nigéria e México, que se debatiam para sair da bancarrota na qual foram precipitados pelo dinheiro fácil. Na Venezuela, acrescentou, “os fabulosos US$ 350 bilhões de receitas adicionais recebidas pelo país nos anos do choque do petróleo tinham virado fumaça, frustrando a imensa maioria, com exceção dos poucos que se abarrotaram ilicitamente”.
Ricupero lembrou que esse contraste paradoxal entre riqueza natural e pobreza econômica fora examinado pouco antes em Genebra pela Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento) “como parte do projeto maior em preparação para o ano 2000, consistente em dar balanço na experiência do desenvolvimento nestas últimas décadas e formular propostas para enfrentar os desafios do próximo século.”
Estudo apresentado em Genebra por Jeffrey Sachs e Andrew Warner, da Universidade de Harvard, mostrou que existe, estatisticamente, uma clara associação negativa, no período de 1970 a 1989, entre o crescimento econômico anual de um país e a porcentagem de suas exportações baseada em recursos naturais. Em vez de vantagem, os recursos naturais poderiam se tornar uma desvantagem para países “que se deixaram embalar pela riqueza fácil do petróleo e não só relegaram ao abandono o setor agrícola ou industrial, mas passaram também a praticantes habituais de políticas econômicas de desperdício e irresponsabilidade”.
E nem era uma visão muito nova. O historiador Arnold Joseph Toynbee, que viveu entre 1889 e 1975, criou a teoria do desafio do meio como estímulo ao surgimento das civilizações. Antes dele, lembrou Ricupero, o filósofo político francês Jean Bodin escreveu em 1576: "Os homens de um solo gordo e fértil são, muito frequentemente, efeminados e covardes; enquanto, ao contrário, um país nu torna os homens temperados por necessidade e os faz, em consequência, cuidadosos vigilantes e industriosos".
Será que os brasileiros, nascidos num país com imensos recursos naturais, livre de vulcões, terremotos e tufões, sejam efeminados e covardes? Não cabe examinar isso aqui. O importante é saber que a maldição das riquezas, como conclui Ricupero, “não é uma lei de ferro da economia, mas sim uma condição que conduz com assustadora frequência a abusos e desperdícios, como resultado da tendência humana a confirmar, por um comportamento leviano, a lei do menor esforço”, sem haver, contudo, “nenhum determinismo, nem para o mal nem para o bem, na presença de recursos naturais abundantes. O efeito final desses recursos dependeria, sobretudo, da qualidade das políticas adotadas para colocá-los a serviço de uma progressiva diversificação da economia, mediante elevação do valor agregado dos produtos e aperfeiçoamento dos recursos humanos e tecnológicos.”
Pois bem, chegamos ao ponto que interessa. Como o governo está atuando para exorcizar a maldição?

Como um bebum qualquer


Até agora, o capitalismo tem sido bem mais ágil e eficiente que o poder público. No último dia 15 de outubro, o jornal “O Globo” publicou artigo do escritor Célio Pezza que revela: a Petrobras – empresa controlada pelo governo, mas que tem como acionistas multinacionais e capitalistas brasileiros – está importando gasolina e álcool combustível. Só neste ano, serão importados 1,5 bilhão de litros de álcool, de qualidade inferior ao produzido no país. “Ao mesmo tempo, este país exporta o álcool de boa qualidade a um preço mais baixo, para honrar contratos firmados.”
Acrescentou Pezza: “Como o álcool começou a ser matéria rara, foi mudada a quantidade de álcool adicionada à gasolina, de 25% para 20%, o que fez com que a grande empresa produtora de gasolina deste país precisasse importar gasolina, para não faltar no mercado interno. Da mesma forma, ela exporta gasolina mais barata e compra mais cara, por força de contratos.”
Receio que a maldição do petróleo já tenha começado antes mesmo da exploração para valer das reservas do Pré-Sal. Aliás, no auge das discussões no Congresso Nacional sobre a distribuição do dinheiro que se espera extrair do fundo do oceano, autoridades do executivo alertaram sobre essa maldição.
No final de setembro passado, ao participar de um ato público promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) na Câmara dos Deputados, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, disse que a derrubada do veto presidencial ao modelo de partilha dos royalties do petróleo seria o início da "maldição do petróleo" no Brasil. Segundo ele, “é assim que começa a maldição do petróleo: em vez de unir, divide os entes federativos". Com a derrubada do veto, seu ministério perderia neste ano R$ 1,1 bilhão.
Mercadante citou os exemplos da Noruega e da Venezuela, que descobriram reservas importantes na década de 1970. "A Noruega escolheu um caminho, construir um fundo soberano a partir de 1990, porque eles sabiam primeiro que o petróleo é um recurso não-renovável, porque nossos filhos e netos não terão esse recurso, e usou o petróleo para promover equilíbrio fiscal e impedir a doença holandesa", disse Mercadante. "A Venezuela foi presa da doença holandesa e não entrou na economia do conhecimento", disse. A proposta da SBPC e da ABC é destinar 30% dos royalties do petróleo para educação, ciência e tecnologia.

Enquanto isso...


Um dos estados que mais brigam pelos royalties do pré-sal é o Rio de Janeiro, que vem recebendo dinheiro do petróleo há muito tempo. Recentemente, em entrevista ao site Terra Magazine, o doutor em economia Cláudio Paiva, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), que pesquisou o destino do dinheiro do petróleo em cidades da Bacia de Campos, no norte do Rio de Janeiro, disse ter verificado que a pobreza continua ali. Em cidades como Campos dos Goytacazes, afirmou Paiva, criou-se uma maldição da riqueza. “Esse dinheiro foi gasto com a máquina pública e não trouxe desenvolvimento.”
Dominado politicamente nos últimos anos pelo ex-governador Antony Garotinho e sua mulher, Campos de Goytacazes foi o município brasileiro que mais recebeu royalties do petróleo. Só no ano passado, foram mais de R$ 1 bilhão. Em 2008, eram carreados para ali 32% de todos os royalties do petróleo no Brasil. Mas, em vez de investir em educação, saúde e infraestrutura, a prefeitura contratou funcionários. Seu número subiu, em dez anosm de 6 mil para 17,4 mil, três vezes mais que o emprego no setor privado do município. Segundo o IBGE, seu PIB per capita é de R$ 67.445,76, valor três vezes maior que o de Niterói, que já foi capital do Estado. Mas, enquanto em Niterói o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) é de 0,886, numa estala até 1, o de Campos de Goytacazes fica 54 posições abaixo no ranking fluminense, com um IDH-M de apenas 0,752. Isso significa que a riqueza do PIB não está sendo convertida em desenvolvimento da educação, saúde e em distribuição de renda.

Oportunidade perdida


O projeto de distribuição dos royalties do pré-sal aprovados pelo Senado não deve mudar a situação, na opinião de Cláudio Paiva. “A disputa federativa é legítima, mas o que aconteceu no Senado foi uma disputa fratricida. Precisávamos que o debate fosse sobre um projeto de nação, pois o pré-sal é uma oportunidade única de enfrentamento de problemas regionais e sociais históricos. O que a gente viu foi cada Estado olhando seu caso particular.” Para o pesquisador, perdeu-se “uma chance histórica de transformação da sociedade brasileira”.
Cláudio Paiva acha que, para escapar da maldição do petróleo, seria necessário focalizar a ação, escolhendo setores como educação, pesquisa e infraestrutura para fazer maciços investimentos para mudar o padrão de desenvolvimento do país. Além disso, seria preciso estabelecer um controle social muito forte sobre os recursos do petróleo. “É muito dinheiro para dar uma liberdade extrema aos governantes”, advertiu o pesquisador.
Ou fazemos isso, ou no futuro teremos por aqui gente como esses ditadores malditos da Líbia, Egito, Arábia Saudita, Síria...
Por enquanto, só há motivos para preocupação. No fim de outubro, o governo lançou um pacote para tornar mais eficiente o licenciamento ambiental no país que avançou para a sexta posição na economia mundial, impulsionado pela crise européia. O governo pretende com isso derrubar barreiras e apressar o andamento das solicitações de licença, racionalizando o processo de análise e decisão sobre licenciamento ambiental. Na área de petróleo e gás, o tempo médio para conceder a autorização cairia de 12 meses para a metade. Para a prospecção de petróleo, a licença não seria mais para cada poço, mas para um conjunto de blocos.
O capitalismo mundial, angustiado pela crise financeira, tem cada vez mais pressa. Para ele, mais do que nunca, pouco importa o equilíbrio entre crescimento econômico e respeito ao ambiente. Até onde percebemos, esse tão propalado "desenvolvimento sustentável" não é mais que uma estratégia de distração, tal como descrita por Noam Chomsky: "Manter a atenção do público distraída longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por assuntos sem importância.”






O professor Antônio Moura revela a falácia do tal “choque de gestão” que teria marcado o governo de Aécio Neves em Minas Gerais.


Choque de gestão ou demagogia?

Antonio de Paiva Moura*

O termo “choque de gestão” é uma questão tautológica, de vez que apenas substitui os termos arrocho, enxugamento da máquina administrativa e competência de gestão pública. Choque de gestão não passa de neologismo para impressionar. É, na verdade uma inteligência política que visa apenas glorificar a figura do mandatário, conforme preceito de Maquiavel. Faz parte do choque de gestão diminuir os gastos com as metas sociais e investir em intensa propaganda sobre obras. Aécio Neves é exaltado pela imprensa mineira como o maior governante de todos os tempos. Aécio conseguiu blindar toda a imprensa e evitar críticas ou denúncias. Pouco depois de criticar o governador pelo excesso de ingressos gratuitos no estádio “Mineirão”, um radialista da Rádio Itatiaia foi demitido.

Outro aspecto do estilo Aécio de governar é o mascaramento da democracia. Na verdade, todos os governadores de Minas, após a abertura democrática, a partir de 1984, obtiveram carta branca da Assembléia Legislativa para governar através de leis delegadas. De 1984 a 1987, Hélio Garcia sancionou 36 leis sem apreciação e votação na Assembléia. Na mesma situação, Aécio Neves assinou 130 leis, de 2003 a 2010. Os oito anos de governo de Aécio Neves só encontram similar no da velha raposa da Bahia, coronel Antonio Carlos Magalhães.


Contrariando relatório dos auditores do Tribunal de Constas do Estado, os conselheiros do mesmo tribunal aprovaram as contas da gestão Aécio Neves, relativos ao exercício de 2009. Os auditores constataram que dos 6,1 bilhões de reais gastos com educação e 3,7 bilhões despendidos com saúde não foram, na realidade, investidos em ações para estes setores. Os referidos auditores técnicos chegaram à conclusão de que o governo do estado não cumpriu o piso legal de investimentos estabelecidos na Constituição Federal, mas fez um malabarismo com um resultado de 28,1% da receita aplicados na educação, enquanto a constituição estabelece 25%, no mínimo. Para chegar a esse resultado, o governo incluiu na educação despesas de outras áreas, como aposentadorias de professores e funcionários da educação. Sem essa mágica o governo teria aplicado apenas 20,15% na educação naquele ano. Na área de saúde ocorreu o mesmo: o governo computou despesas com saneamento básico e previdência social no exercício de 2009, dando a idéia de que teria aplicado 15,44% na área de saúde, enquanto, na realidade, aplicou apenas 7,48%. (GOULART, 2011).


Na campanha eleitoral de 2010 Aécio Neves usou muito tais dados para se auto-afumar como o único homem competente para governar e administrar o estado. Mas sua verdadeira capacidade é para manipular dados e mascarar contas públicas.

Conforme matéria de Andreza Matais (2011) Aécio Neves acumulou fortuna no período em que foi governador de Minas, muito acima de seus vencimentos. Como pôde obter o total apoio da mídia de Minas? Como pode ter o padrão de gastos que teve e tem apenas com vencimentos de governador e, atualmente, como senador.

A construção do Centro Administrativo de Minas Gerais visou distanciar o poder executivo do povo, isto é dos usuários dos serviços públicos. Diz Lindolfo Fernandes Azevedo, presidente do Sindicato de Auditores Fiscais do Estado SINDIFISCO, que as obras foram realizadas em regime de urgência e que custaram aos cofres públicos a vultosa quantia de um bilhão e duzentos milhões de reais, enquanto o investimento em obras e equipamentos para a educação, em 2009 fora apenas de 202 milhões de reais. Para não provocar revolta da população Aécio Neves alegou que os recursos para a construção do Centro Administrativo não saíram do tesouro do estado, mas da companhia estatal CODEMIG. Basta dizer que em 2009, só para aumento de seu capital, a CODEMIG recebeu do tesouro do estado, a soma de R$ 525 milhões. Segundo Castro (2011), de 2002 a 2010, os investimentos do estado em saúde e educação sofreram sucessivas reduções.

Segundo Frei Betto (2011) a política neoliberal deu um tiro de misericórdia no Estado de bem-estar social: destruiu os vínculos societários nas relações de trabalho, deslegitimou a representação sindical e deslocou o público para o privado. Quem não pode ter um plano de saúde privado fica inteiramente desprotegido, de vez que o SUS, sistema único de saúde dispõe de pouco recurso financeiro por parte do serviço público.

Outro efeito daninho do Centro Administrativo é o desconforto dos trabalhadores para lá transferidos. O choque de gestão é um logro porque ignora a participação do servidor no processo de aprimoramento do serviço público.
Referências
BETTO, Frei. Saúde do povo, descaso do Estado. Estado de Minas. Belo Horizonte, 26 mai. 2011
CASTRO, Lindolfo Fernandes. Cidade Administrativa: uma obra para inglês ver. Folha de São Paulo, São Paulo, 8 jan. 2011.
GOULART, Amália. Jogo político encobre contas de Aécio. Hoje em Dia. Belo Horizonte, 11 abr. 2011.
MATAIS, Andreza. Em meio à crise, PT faz acusações a Aécio. Folha de São Paulo, São Paulo, 1º jun. 2011.

Antonio de Paiva Moura é mestre em história e professor da UEMG
.






A respeito deste “choque de gestão”, José Costa enviou sua colaboração sob a forma de um vídeo, que vale a pena ser assistido:


Assista a declaração do Deputado Sávio Souza Cruz sobre o governo Aécio Neves:
http://www.youtube.com/watch?v=zKAoQdHSUAQ



Minha colega e amiga querida, Margarete, que conheci graças ao Orkut e aos encontros da ANPUH de Londrina e São Leopoldo também escreveu especialmente para o nosso boletim este artigo:



O profissional de história e os campos de atuação.
Logo que terminei o curso de história tive alguma insegurança quanto a sua aplicação e os anos da licenciatura de certa forma acentuaram isso. As opções eram as da pesquisa ou educação e ensino, sendo que a primeira está clara e diretamente ligada às universidades públicas, enquanto que boa parte dos cursos oferecidos pelas instituições privadas visa e/ou visavam a sala de aula. Sei que há muita discussão e crítica em relação ao ensino superior particular no país, mas essa não é tônica deste texto.
Minha persistência e experiência mostrou que há outras opções sim, sobretudo nos dias atuais onde as questões da memória têm sido uma constante, inclusive no mundo corporativo. Extrapolar as barreiras do mundo acadêmico, criar relações para além das estabelecidas com nossos pares e, sobretudo dispor-se a transformar a imagem cristalizada do profissional de história, seja ele pesquisador ou professor (para leigos, curiosos ou diletantes) a de que servimos apenas para lembrar fatos e acontecimentos do passado, sem interação com presente ou resultados no futuro é um grande mas viável desafio.
Por que utilizo “profissional de história”? Em 2004 na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, durante uma mesa sobre o Ensino de História cujo tema era “Novas Técnicas, Novos Métodos” o professor Leandro Karnal foi muito claro quanto à postura que deveríamos adotar enquanto professores, isto é: a da busca pelo reconhecimento do profissional que somos, tanto quanto o médico, o advogado ou engenheiro. Eu mesma só fui entender isso quando um aluno me perguntou: Professora a senhora trabalha?
Sempre pensei a possibilidade da parceria entre história, patrimônio e memória, tanto é assim que recém graduada apresentei um trabalho no XXIV Simpósio Nacional de História, cujo título era exatamente esse, na verdade algo incipiente, um questionamento que fiz ao longo da graduação e para qual queria respostas, (momento no qual contei com a presença do amigo Ricardo Faria que esteve lá dando aquela força) de lá pra cá, algumas respostas me foram dadas e novas perguntas surgiram, assim como novas oportunidades: fui para sala de aula, para educação em museus, para capacitação de professores da rede pública da minha cidade, até mudei de país, contudo, nunca abandonei a idéia de trabalhar com memória e hoje encontrei algo que vem ao encontro daquele desejo antigo. Atualmente tenho trabalhado com Memória Institucional e Museus Virtuais em uma empresa que atua na área de documentação e informação no sul do país.
Os primeiros projetos e trabalhos com memória institucional (criação de centros de memória e outros produtos oriundos da pesquisa e sistematização da memória empresarial) surgem no Brasil entre finais dos 70 e inicio dos 80 e vêm crescendo bastante nas últimas duas décadas, nicho no qual a interdisciplinaridade é fundamental. Lendo, pesquisando e participando de eventos sobre memória institucional e empresarial, percebi a relação estabelecida entre a História, a Literatura, a Gestão da Informação, as Artes, a Economia e, sobretudo, a Comunicação.
É fato que a maior concentração de profissionais de história, empresas e projetos do segmento estão em São Paulo, mas isso já vem mudando e novas opções têm surgido em outros pontos do país. Já se fala inclusive na profissão do memorialista (o profissional de história especializado em memória, por assim dizer) e da importante e porque não dizer fundamental relação entre história e comunicação organizacional, haja vista mudança relevante ocorrida no mundo corporativo, fruto da necessidade de busca e afirmação de valores e identidade de uma marca ou empresa. Ocasião em que a memória e a história andam juntas.
Hoje em dia é comum depararmos com trabalhos que visam resgatar a memória a fim de construir a identidade e a responsabilidade social, opção que promove a aproximação da instituição ou empresa junto aos seus stakeholders. Já os prêmios e publicações na área da comunicação organizacional, meio ambiente e sustentabilidade, patrimônio cultural (material e imaterial) também fazem do segmento um desafio interessante para o profissional de história do século XXI.
A interação e integração da História com outras áreas do conhecimento possibilitam outras aplicações e é sem dúvida algo rico e estimulante para o recém graduado em história, consideremos pois o pensamento agostiniano “(...). O presente das coisas passadas é Memória; o presente das coisas presentes é a Visão Direta; o presente das coisas futuras é a Expectativa”, sendo assim, por mais que algumas correntes ou teóricos torçam o nariz para os novos rumos e aplicações da história, não há nada como criar “expectativas” para que os futuros colegas de profissão possam atuar e interagir com as mais variadas áreas do conhecimento, garantindo assim sua inserção no mercado de trabalho.
Margarete C.Cardoso (Graduada em história pelo Centro Universitário Sant’Anna/SP. Cursou história da arte no Instituto de Estudios do Ocio da Universidad Deusto, Bilbao-Espanha. Atualmente trabalha em projetos de Memória Institucional e Museus Virtuais em Curitiba-PR).






E Ana Cláudia, que sempre colabora conosco, não podia ficar de fora deste número:
Não se trata de defender o Lula e sim de tratar esta questão com o devido respeito.
Ana Claudia
Jornal do Brasil, Postado por Davis Sena Filho, dia 03/11/2011 às 10:12
Lula, os abutres da imprensa e seus abutres leitores

Abutres são abutres e nada mais
“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”. (Joseph Pulitzer – 1847/1911)
Lula tem câncer na laringe. A notícia correu pelo Brasil há poucos dias. Os jornalistas de oposição e os que apenas repercutem a agressividade de seus patrões e de seus leitores contra o político estadista se mobilizam freneticamente e correm para o Hospital Sírio-Libanês, onde o presidente mais popular da história do Brasil está a fazer os exames e procedimentos normais, comuns aos que são vítimas dessa doença, com o propósito de combatê-la e vencê-la.
Contudo, o que realmente me chamou a atenção foram alguns jornalistas pertencentes aos quadros da imprensa corporativa e privada (privada nos dois sentidos, tá?) e de seus leitores, que se comportaram como abutres ou corvos, no sentido de se reportarem sem o mínimo de educação e decência e civilidade quando se trata de atacar àquele que eles consideram o inimigo a ser batido, mesmo quando esse “inimigo” político é vítima de câncer ao tempo que amado por milhões e milhões de brasileiros, ao ponto de sair da Presidência com índices gigantescos de aprovação ao seu Governo que atingiram o patamar de 87%, acima dos índices de popularidade do mito Nelson Mandela quando deixou a presidência da África do Sul.
Lamentável e desumano o papel de certos jornalistas e de seus leitores abutres, que estão a fazer campanhas nas redes sociais da maneira mais sórdida possível, que afrontam a dignidade humana. Lúcia Hipólito, Arnaldo Jabor, Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo se esmeraram em repercutir suas vilanias e a total falta de senso crítico e de respeito à ética jornalística e aos cidadãos, que ficam a escutar comentários desrespeitosos, agressivos e levianos, sem conteúdo informativo e que distorcem a verdade e a realidade dos fatos. É o verdadeiro jornalismo de esgoto, praticado por essa imprensa em um tempo de dez anos, desde que os governantes trabalhistas (Lula e Dilma) ascenderam ao poder.
Entretanto, é necessário salientar que desta vez o que me chamou a atenção foi o comportamento dos leitores e ouvintes desses jornalistas, que se comportam como leões-de-chácara dos interesses dos barões da imprensa, do grande empresariado e da oposição partidária (PSDB-DEM-PPS) ao Governo Dilma Rousseff.
Por intermédio das redes sociais, estão a realizar uma campanha de ordem fascista que pede de forma debochada e vil para o político mais popular da história deste País tratar sua doença no SUS (rede pública de Saúde que o povo dos Estados Unidos não tem e assunto que causa transtornos até hoje a Obama), que, por sinal, ficou sem os bilhões da CPMF, criação dos tucanos, que no decorrer do Governo do neoliberal Fernando Henrique foram desviados para outros setores da administração pública. O mesmo governo neoliberal que vendeu o patrimônio do Brasil e foi ao FMI pedir esmolas três vezes, e de joelhos.
O jornalismo de meias verdades, manipulado, distorcido e muitas vezes baseado em mentiras praticado pelos órgãos de comunicação hegemônicos tem agora um similar: parte de seus leitores, ouvintes e telespectadores, que ocupam as redes sociais para disseminar intolerância e preconceitos abissais que diminuem a alma humana perante a vida. Eles formam uma coletividade de uma perversidade que impressiona por sua ausência de sentimentos nobres mesmo quando o alvo, no caso o presidente Lula, está doente. O político que não os agrada, tanto no aspecto político, partidário e ideológico, e por isso nem na enfermidade dão trégua, porque eles sabem que Lula, enquanto vivo e com saúde, será o peso que vai pender a balança de todas as eleições para um lado, o lado trabalhista, a parte da laranja que não é a deles. A direita não se conforma.
Todavia, não são apenas essas questões que incomodam os fãs da Veja, de O Globo, do Estadão, da Folha, da TV Globo e do Zero Hora. O que incomoda mesmo é ter de ver o Lula ser tratado em um hospital onde os ricos, os brancos, os “bem” nascidos e os famosos são atendidos. O pior de tudo é que a imensa maioria desses pequenos abutres é de classe média, consumidores beneficiados por créditos (empréstimos, CDC, cheque especial, cartões, consignados etc.) oferecidos democraticamente a todos os brasileiros pelos programas de governo dos trabalhistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Esses fatores de ascensão social para classe média não são chamados de forma irônica e raivosa de “Bolsa Classe Média” ou “Bolsa Me dei Bem” ou “Bolsa Desejo e Sonho Realizados”. Agora, o Bolsa Família, que ajuda a desenvolver a economia brasileira, principalmente nas regiões mais pobres como a Nordeste e Norte é criticado, de forma injusta e cruel. São essas pessoas que agridem Lula na internet que usufruem do acesso ao crédito fácil, porque antes a classe média e os pobres não tinham direito a nada, a não ser ver novelas e beber cerveja em um barzinho, porque até passagem de avião era difícil comprar.
Usufruíram tanto dessas facilidades bancárias que hoje têm carros, produtos eletro-eletrônicos e da linha branca. Compraram imóveis, terrenos e viajaram e viajam muito, mas não há reconhecimento, porque quando se é escorpião, você não vai deixar de ferroar também aquele que o beneficiou. Afinal, ouvintes de Jabor e de Hipólito, e leitores de Azevedo e Nunes não se preocupam com essas “irrelevâncias”, não é? A pequena burguesia não quer saber de democracia política e econômica. Ela faz marchas contra a corrupção e nunca contra os corruptores (empresários e seus lobistas) e usa as vassouras janistas golpistas como armas. Não é isto?
O pequeno burguês vive mentalmente em seu mundinho de playground, mesmo se ele viaja e conhece o mundo, porque para ele ser cosmopolita é usar roupas de grife, ter seu emprego garantido, estudar preferencialmente em universidade pública, fazer plástica e ter ódio da ascensão social de milhões de brasileiros, que passaram também a ter o direito de ocupar os aeroportos e viajar de avião, o que faz com que pessoas do nível de Jabor e Hipólito se sintam enojadas com a presença da “plebe rude” audaciosa, que não retrata a “massa cheirosa” e “limpinha” dos tucanos, tão elogiada no tempo das eleições por Eliane Catanhêde, colunista da Folha de S. Paulo e que faz aparições na Globo News, televisão que tem milhares de “especialistas” de prateleira e que o povo brasileiro não está nem aí para o que eles dizem ou afirmam ou pensam.
São esses mesmos cidadãos “tão evoluídos, inteligentes e superiores” que freqüentam as redes sociais e que também foram beneficiados pelo governo trabalhista de Luiz Inácio da Silva que atacam o estadista brasileiro da forma mais pérfida, sórdida e desrespeitosa possível. Lula foi o presidente e é o político mais agredido pela imprensa gangsteriana e pelos pequenos mussolinis que infestam as redes sociais. A finalidade desses despropósitos é desqualificar um dos maiores presidentes que a República já teve, juntamente com o grande estadista Getúlio Dornelles Vargas, também vítima de pequenos e grandes abutres ou corvos, como era o corvo-mor da elite brasileira, Carlos Lacerda, ídolo da direita política e empresarial e dos nossos pequenos burgueses carregadores de vassouras, racistas e dedicados à causa da classe social que eles equivocadamente acham que pertencem: a classe rica. Coitados.
De novo: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”. É isso aí.
Davis Sena Filho é jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou como editor, redator, produtor e repórter em jornais, revistas e TV. Também foi assessor de imprensa em vários órgãos públicos, instituições e sindicatos em Brasília e no Rio.





E a minha contribuição para este número é o artigo do Alberto Dines, do Observatório da Imprensa:

HISTÓRIA TRUNCADA
A Inquisição não existiu, é invenção dos leigos
Por Alberto Dines em 31/10/2011 na edição 666
Incrível, aterrador: o 16º capítulo da serie histórica “Jornais em Pauta”, publicada quinzenalmente pelo Valor Econômico (ver "Um atraso de três séculos"), parece ter sido montado segundo os paradigmas do Dr. Joseph Goebbels, zelosamente imitados pela Academia de Ciências da ex-URSS e inspirados no patriarca do conservadorismo e do fascismo, Joseph de Maistre (1753-1821).


A surpreendente tese: quem impediu o estabelecimento de tipografias e jornais no Brasil antes de 1808 foi a Coroa, o Estado português. Não houve censura episcopal, não houve censura inquisitorial, não houve nenhum “Rol de Livros Proibidos”, não houve Inquisição. O sanguinário aparelho repressor chamado Santo Ofício estabelecido em 1536 e mantido até 1821 em Portugal e territórios ultramarinos é pura ficção. Os cardeais-inquisidores não existiram, os comissários não tinham poder para examinar os livros que chegavam nos navios, a monarquia absolutista portuguesa era a única responsável pelo que poderia ser ensinado e difundido.


A fabricação da mentira torna-se cada vez mais sofisticada não por causa das novas tecnologias per se, mas porque estas tornam as pessoas cada vez menos interessadas em absorver conhecimentos.


Vocação censória


O autor da proeza revisionista e negacionista publicada num dos mais sofisticados suplementos culturais da imprensa brasileira (“Eu&Fim de Semana”, 28/10) valeu-se de um engenhoso e perverso artifício retórico: como na América espanhola as tipografias foram instaladas a partir do século 16 (a primeira, no México, em 1583), o déficit de liberdade na América portuguesa só pode ser atribuído à Corte.


Grande parte do texto, cerca de dois terços, está maliciosamente montado em cima de citações de eminentes historiadores patrícios, genialmente manipuladas para reforçar a ideia de que a Coroa portuguesa é a única vilã do nosso atraso intelectual e jornalístico.


Difícil acreditar que na vasta bibliografia de Sérgio Buarque de Holanda e de Nelson Werneck Sodré não conste qualquer referência ao protagonismo do Santo Ofício (portanto, da igreja católica) no controle dos corações e mentes dos brasileiros e brazilienses. Pinçar na Sociologia da Imprensa Brasileira, de José Marques de Melo, a frase de que no Brasil colonial não havia tipografias “porque não eram necessárias” é, na melhor das hipóteses, um recurso capcioso.
Isabel Lustosa é, hoje, a mais diligente e esmerada historiadora da imprensa brasileira, coeditora dos 31 volumes com a reprodução integral do Correio Braziliense e valiosos estudos sobre Hipólito da Costa. Dela, os editores de Valor só encontraram um conceito digno de ser incluído no seu seriado quinzenal: “O Brasil era um dos poucos países do mundo, excetuados os da África e Ásia, que não produziam palavra impressa”.


Onde está dito que a culpa do atraso foi exclusivamente da Coroa? Onde exime ela o Santo Ofício de ser a matriz da nossa vocação censória? Este tipo de trambique argumentativo ficaria muito bem num boletim do Opus Dei, mas discrepa num veículo destinado à formação da elite empresarial brasileira.


“Despotismo esclarecido”


O autor (ou autores) ignora(m) que a Inquisição espanhola, diferentemente da portuguesa, era menos centralizada e menos burocratizada. O Santo Ofício lusitano manteve apenas um tribunal fora do território continental (em Goa, Índia); o espanhol permitiu a instalação de três filiais no Novo Mundo (México, Cartagena, Lima) e, graças à fiscalização descentralizada, podia se dar ao luxo de autorizar a instalação de tipografias para a impressão de obras evangelizadoras, criação de universidades e circulação de periódicos a partir do século 17.


As doutrinas que inspiravam as duas entidades inquisitoriais eram as mesmas, colaboravam ativamente entre si (como atesta o caso da loucura e morte do santista Bartolomeu de Gusmão, o Padre Voador), mas as mentalidades eram diferentes. A Espanha era uma potência europeia e o seu império global deveria contar com uma flexibilidade administrativa que o mirrado reino português só adotou quando a família real fugiu para o Brasil.


Quem encarcerou o padre Antonio Vieira não foi a Coroa portuguesa, mas a Inquisição portuguesa. Quem mandou prender e depois executar o comediógrafo – nascido no Rio de Janeiro – Antonio José da Silva, “O Judeu”, não foi D. João V (satirizado na ópera O Anfitrião, montada em 1736), mas o cardeal inquisidor D. Nuno da Cunha, por meio de uma ordem verbal (como está em seu processo). Quem decidiu que fosse executado num auto da fé não foi a justiça secular, mas os inquisidores que lhe ofereceram o direito de escolher entre o garrote e a fogueira.


Aqui, na colônia portuguesa, bispos e comissários do Santo Ofício mandavam e desmandavam, os governadores obedeciam: cuidavam de defender o território, proteger riquezas e cobrar impostos. O resto ficava por conta dos Familiares do Santo Ofício e, sobretudo, do sistema de delações oriundo dos confessionários.
O quadro modificou-se quando esse despotismo clerical foi substituído pelo “despotismo esclarecido” do Marquês de Pombal (1750). Tarde demais, o país estava atrasado 250 anos.


Fim do embargo


O bravo historiador e o prestigioso veículo que ousaram quebrar o tabu relativo à história da imprensa brasileira conseguiram a façanha de manter sob sigilo absoluto, ao longo de 32 semanas consecutivas, o nome do primeiro periódico a circular sem censura no Brasil e em Portugal, o Correio Braziliense. O nome de seu editor-redator, Hipólito da Costa – o patriarca da imprensa brasileira –, até o fascículo 16 só foi mencionado, de passagem e esguelha, uma única vez. Recorde de secretismo que só encontra rival nas ordens de prisão determinadas pelos tribunais do Santo Ofício.


Hipólito da Costa era funcionário da Coroa, mas por ser maçom foi preso pela Inquisição lisboeta (1802). O relato que publicou em português e inglês sobre os interrogatórios a que foi submetido é uma arrasadora denúncia contra os métodos medievais empregados pelos esbirros inquisitoriais (Narrativa da Perseguição de Hipólito José da Costa, dois volumes, Londres, 1811).
O desenvolvimento do Brasil atrasou unicamente por conta do atraso da teocracia portuguesa. A melhor prova está no episódio que resultou no desmantelamento de uma tipografia no Rio de Janeiro (1747-1749) pertencente a um dos melhores impressores portugueses, Antonio Isidoro da Fonseca, misteriosamente transferido para a capital da colônia. Se essa oficina continuasse a sua atividade, a história da multiplicação das ideias no Brasil e a própria história política do país seriam drasticamente diferentes. Para melhor.


O estúpido e devasso D. João V ainda reinava, quem deu a ordem foi o Santo Ofício português, quem a recebeu e executou foi o respectivo comissário que convocou o desgraçado impressor para dizer-lhe que não poderia editar livros e outros escritos.


O documento que confirma a truculência foi encontrado por este observador nos “Cadernos do Promotor da Inquisição de Lisboa”. Publicado e analisado em livro (Em Nome da Fé, Editora Perspectiva, 1999), demoradamente exibido no documentário de Silvio Tendler (Preto no Branco – A censura antes da imprensa) e extensamente discutido na série de três programas do Observatório da Imprensa que comemorou os 200 anos da imprensa brasileira (maio-setembro de 2008)


Valor não publicou um equívoco, publicou uma mistificação. Não foi acidental, foi determinação das esferas superiores – ou inspiração divina –, as mesmas que decidiram há três anos que não se devia comemorar o bicentenário da imprensa brasileira para não lembrar o obscurantismo religioso que produziu nossa carência intelectual e jornalística.


Registre-se um avanço: caiu o embargo sobre o assunto. E magicamente descobre-se que o controle religioso aumentou nosso atraso para cinco séculos. Mais precisamente 511 anos (308+200+3). Logo seremos iguais ao Suriname.

3 comentários:

  1. Muito bom, Ricardo!!! E adorei o artigo do Antonio de Paiva Moura sobre o choque de gestão aecista!
    Que venham muitos outros 300 boletins pela frente!! =)
    bjos

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  2. Oi Ricardo, Parabéns pelo Boletim. Fiquei feliz de colaborar neste. Bjs desta paulista andarilha.

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  3. Olá professor Ricardo! Parabéns pelos 300 números do Boletim. É sempre bom tê-lo por perto.
    Abraço!

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